Às 6h, o empresário Jean Pierre, de 53 anos, sai de casa para caminhar na orla da Praia do Pepê, na Barra da Tijuca. Não leva nada nos bolsos, porque consegue sair e entrar no prédio usando apenas o próprio rosto. Depois, segue para o trabalho com seu carro elétrico, recarregado a cada dois dias na própria garagem.
Ele desfruta das novas tendências do setor imobiliário: acesso por biometria facial e carregadores para veículos e bicicletas elétricas. Outros diferenciais são o lazer no telhado, o chamado rooftop, prédios multiúso e plantas diferentes em um mesmo empreendimento.
Em Joinville (SC), a incorporadora butique Daxo usa o reconhecimento facial para controlar a entrada de moradores e visitantes. Cada proprietário, diz o CEO da empresa, Geraldo Bandoch Júnior, consegue gerenciar as informações por uma plataforma, via celular, que permite liberar ou restringir acessos, seja ao hall de entrada, à piscina ou mesmo ao elevador. A administradora fica responsável pelos dados.
— Para garantir mais segurança e privacidade, informações sensíveis, como CPF, telefone, RG, são de acesso e visualização apenas do síndico. A portaria visualiza somente a foto e o nome da pessoa cadastrada — diz Bandoch.
Código de Obras prevê
Márcio Chaves, sócio da área de direito digital do escritório Almeida Advogados, alerta que, se a tecnologia traz mais segurança no acesso ao prédio, por outro lado ela deixa os moradores vulneráveis ao vazamento de dados pessoais. Se isso ocorrer, tanto o condomínio como os prestadores de serviço terão de arcar com multas e indenizações.
O acesso por biometria também pode ser usado em um modelo híbrido, que não dispensa a presença de funcionários na portaria, explica Edgar Poschetzky, diretor executivo nacional da administradora APSA:
— O condomínio faz a instalação do sistema de controle de acesso, melhora a segurança e mantém toda ou parte da equipe de portaria para atendimento dos condôminos e para, em uma eventual pane, a portaria não ficar sem nenhum controle de acesso.
Tal configuração é adotada nos empreendimentos da Itten, que têm biometria facial e porteiros 24 horas. Além disso, todos os prédios do Jardim Botânico e do Jardim Oceânico, no Rio, têm sido entregues com carregador de veículos elétricos em cada vaga.
Eduardo Cruz, sócio da Itten, explica que isso evita discussões sobre uma divisão justa da conta de energia comum. No caso de bicicletas elétricas, porém, o condomínio assume, pois o valor é baixo. Essa comodidade, segundo ele, aumenta a liquidez dos imóveis, que variam de R$ 1,3 milhão a R$ 12 milhões.
Alguns ainda oferecem bicicletas compartilhadas da fabricante LEV, espaço para pets, academia ao ar livre, piscina com raia de 25 metros (semiolímpica), spa, sala de reuniões e local de massagem.
O carregador elétrico, porém, não é necessariamente uma benesse das incorporadoras. Maria Victória Santos Costa, sócia de direito cível do escritório MV Costa Advogados, lembra que a lei complementar 262/2023, que alterou o Código de Obras do Rio, impôs às novas edificações residenciais, comerciais e industriais a instalação de, no mínimo, um ponto para abastecimento de veículos elétricos. Embora os custos de instalação sejam repartidos entre os condôminos, a lei determina que o consumo de energia seja individualizado.
Economia de espaço
Na Tijuca, a incorporadora e construtora Balassiano constrói um prédio com lazer em dois níveis. Acima da garagem elevada, ficarão os espaços cobertos, como academia, sauna e salão de festas. Na cobertura, piscina e churrasqueira. Gabriel Pecly, gestor de Novos Negócios, conta que o rooftop valoriza os apartamentos em cerca de 10%, além de acelerar as vendas:
— A expectativa era vender em 30 meses, mas já vendemos quase todos as unidades na metade desse tempo.
Em São Paulo, um empreendimento da Cyrela na Vila Clementino, que ficou pronto em janeiro, também apostou no rooftop. Próximo ao Parque Ibirapuera, o prédio tem estúdios de 25m² a 30m2 e apartamentos de dois quartos de 50m² a 90m2, que podem ser alugados por uma noite ou para morar. Comprado pelo fundo Vectis Gestão, o empreendimento é administrado pela startup Charlie.
— Estamos constantemente atentos às tendências que valorizem nossos empreendimentos, como espaços de lazer diferenciados — diz Alexandre Dentes, gerente-geral de Negócios da Cyrela.
Letícia Valente, coordenadora de marketing da CTV Construtora, que fez prédios com rooftop em Irajá, Campinho e Vila da Penha, aponta outra vantagem da estratégia: otimizar o uso do espaço. Essa configuração permite entregar lazer completo, com piscina, coworking, academia e até horta, em um terreno menor.
— Os terrenos estão cada vez mais escassos e caros, com o adensamento das cidades em áreas centrais. Então, é preciso maximizar o uso de uma estrutura para pagar o terreno e ainda ter lucro. O rooftop vem como um instrumento de marketing, uma diferenciação para que a conta feche — diz Thomaz Assumpção, CEO da consultoria de inteligência de mercado Urban Systems, ressaltando que essa tendência já era comum nos Estados Unidos e na Europa.
Esse adensamento e a consequente verticalização das grandes cidades têm levado grandes empresas a dividirem espaço com prédios residenciais ou empreendimentos multiúso, a fim de otimizar espaços subutilizados em áreas valiosas. A Balassiano tem feito prédios em que o primeiro pavimento é direcionado a grandes redes de academias ou supermercados. O residencial tem entrada independente.
Até partes de estacionamentos estão sendo negociadas. O Carrefour transformou sua primeira loja no país, na Marginal Pinheiros, na capital paulista, em um megaempreendimento. O projeto, denominado Paseo Alto das Nações, será finalizado em 2025 e reúne uma torre de escritório de 39 pavimentos, um residencial de 38 andares e 216 unidades, um terceiro edifício misto (residencial e comercial) e um shopping, além do hipermercado.
‘Irreversível e benéfico’
Além disso, o Carrefour Property, braço de gestão e desenvolvimento imobiliário do grupo, fechou parceria com a Riva Incorporadora para construir um prédio residencial numa área de 6.800m2 do estacionamento da loja de Interlagos, na Zona Sul da capital paulista.
A parceria com a Riva ainda prevê a construção de torres residenciais em parte do estacionamento do Atacadão em Vicente de Carvalho, na Zona Norte do Rio.
— Temos vários exemplos de lojas que inicialmente estavam em locais afastados e hoje são cercadas de escritórios e residências. Essas áreas passaram a ser muito valiosas. No caso da loja da Marginal Pinheiros, era o último grande terreno — diz Liliane Dutra, CEO do Carrefour Property.
Em Moema, um dos bairros mais verticalizados e valorizados de São Paulo, o Grupo Pão de Açúcar (GPA) fechou duas grandes lojas, onde estão sendo erguidas torres residenciais. Uma delas, na frente do Shopping Ibirapuera, ficará pronta em meados de 2026.
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— O conceito multiúso é irreversível e benéfico para as cidades, por criar novas centralidades urbanas, com moradias, escritórios e comércio vizinhos. Isso permite que as pessoas gastem menos tempo usando carros ou transporte público — diz Liliane.
Ela avalia que esse modelo pode ser usado inclusive em projetos do Minha Casa, Minha Vida, evitando imóveis em bairros sem infraestrutura e longe dos empregos.
Mudança na lei ainda sem reflexos
A mudança na Lei de Zoneamento na cidade de São Paulo, que expandiu os locais de verticalização, ainda é recente para ter reflexos nos preços e no número de unidades construídas, diz Reinaldo Fincatti, diretor da Empresa Brasileira de Estudos de Patrimônio (Embraesp).
Em 2023, 88,74% dos imóveis residenciais lançados na capital paulista eram de um e dois quartos. Foram 65.218 unidades no total.
— Nossa expectativa é que 2024 siga com alto volume de lançamentos, com mais de 60 mil unidades — diz Fincatti.
O Índice Geral do Mercado Imobiliário Residencial (IGMI-R), calculado pela Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip), mostra que os imóveis residenciais acumularam valorização média de 65,8% entre 2019 e 2023 no estado de São Paulo.
E a capital é a cereja do bolo. Entre os bairros com maior valorização estão Moema, Brooklin, Vila Olímpia e Santo Amaro. Segundo Fincatti, isso se deve à proximidade das avenidas Luiz Carlos Berrini, Chucri Zaidan e Faria Lima.