Por Ronaldo Tolentino* — A questão do vínculo de emprego entre motoristas de aplicativos e plataformas digitais está prestes a ter um desfecho no Supremo Tribunal Federal (STF). A decisão, esperada para 2025, terá impactos significativos tanto para empresas quanto para trabalhadores, sendo crucial para o futuro do trabalho nas plataformas digitais no Brasil.
Atualmente, cerca de 10 mil ações tramitam no país questionando o vínculo empregatício entre motoristas e plataformas como Uber, iFood e 99. O Tribunal Superior do Trabalho (TST), em diversas decisões, têm reconhecido esse vínculo, enquanto o STF adota uma postura mais cautelosa. Agora, as expectativas se voltam para o posicionamento definitivo da Corte, que deverá trazer maior segurança jurídica para um tema que ainda gera grande incerteza.
A principal questão jurídica é se os motoristas de aplicativos atendem aos requisitos para a configuração de vínculo empregatício, conforme a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). São necessários quatro elementos: subordinação, pessoalidade, continuidade e remuneração. A maior controvérsia recai sobre a subordinação, já que motoristas alegam ter autonomia para decidir horários e trajetos.
Se o Supremo reconhecer o vínculo, representará uma expansão da interpretação dos artigos 2º e 3º da CLT para adequá-los à realidade das plataformas digitais. Tal decisão traria benefícios, como a garantia de direitos trabalhistas, mas poderia limitar a flexibilidade, um dos principais atrativos desse modelo de trabalho.
Uma pesquisa do Datafolha aponta que nove em cada 10 motoristas e entregadores desejam maior proteção social, sem abrir mão da autonomia sobre seus horários. A maioria (76%) quer continuar atuando nas plataformas, e 91% preferem modelos que permitam flexibilidade, liberdade para recusar viagens e a atuação em várias plataformas simultaneamente. Apesar disso, 68% estariam dispostos a contribuir para a Previdência Social, desde que as plataformas automatizassem esse processo.
Esse dado ilustra a tensão central do debate: motoristas desejam preservar a flexibilidade do modelo de trabalho, mas reconhecem a importância de proteção social para situações como acidentes ou doenças. O desafio será encontrar um equilíbrio entre essas demandas. Do lado das plataformas, o reconhecimento do vínculo empregatício implicaria custos significativos, como pagamento de férias, 13º salário, contribuições previdenciárias e horas extras. Esses encargos poderiam forçar uma reestruturação dos modelos de negócios, impactando até a viabilidade de algumas operações.
Além disso, a imposição de controles rígidos sobre a jornada de trabalho, como exige a CLT , comprometeria a flexibilidade que caracteriza o setor. Embora a decisão da Suprema Corte seja essencial para resolver a questão do vínculo empregatício, a regulamentação do trabalho em plataformas digitais deveria ser liderada pelo Congresso Nacional. O julgamento poderá ser o ponto de partida para uma legislação mais abrangente, que contemple proteção social, direitos trabalhistas e a autonomia dos trabalhadores.
O desfecho desse julgamento será determinante para o futuro da economia compartilhada no Brasil. Será necessário equilibrar a proteção social dos trabalhadores com a preservação da flexibilidade, característica que torna esse modelo atrativo para milhões de pessoas. O debate é apenas o início de um processo maior, e a construção de políticas públicas equilibradas será fundamental para garantir que as inovações do setor prosperem sem negligenciar os direitos e o bem-estar dos trabalhadores.
*Sócio da Ferraz dos Passos Advocacia e Consultoria. Professor Convidado da PUC-MG. Palestrante em diversos congressos na área trabalhista. Membro efetivo do Instituto dos Advogados Brasileiros — IAB