Dez anos depois do início da Operação Lava Jato, a atuação dos procuradores do caso e dos juízes é alvo de uma série de questionamentos em diferentes esferas da administração pública, em contestações com desdobramentos ainda imprevisíveis.
Enquanto apoiadores da operação falam em vingança contra quem atuou contra a corrupção, críticos dos métodos empregados nas investigações de anos atrás citam a necessidade de punir a conduta irregular e de prevenir que abusos voltem a se repetir.
Um dos expoentes desse último grupo é o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes, que defende que se faça em relação à Lava Jato uma “comissão da verdade”, em referência ao colegiado que apurou crimes do regime militar.
Em sessão no tribunal no último dia 27, Gilmar leu uma série de mensagens trocadas pelos procuradores, apreendidas na Operação Spoofing, e criticou o que considera inação da Corregedoria do Ministério Público em apurar ilegalidades.
“É fundamental que esses fatos sejam contados às gerações futuras”, disse.
As mensagens privadas de autoridades da Lava Jato interceptadas por um hacker e obtidas em 2019 pelo site The Intercept Brasil expuseram voluntarismos e atitudes controversas, evidenciando a colaboração entre julgador e investigadores, o que é ilegal.
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Mais recentemente, os diálogos foram utilizados para rever o uso de provas entregues pela empreiteira Odebrecht, que agora foi beneficiada com a suspensão do pagamento de multa prevista no compromisso.
Em mensagens trocadas sobre o tema, procuradores comentam que os arquivos da construtora foram manuseados em sacolas de supermercado, sem cuidados com a sua preservação.
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Até hoje, quando são questionados sobre o conteúdo das mensagens, o ex-juiz Sergio Moro e o ex-procurador Deltan Dallagnol costumam declarar que não é possível comprovar a veracidade delas. Ao mesmo tempo, repetem que não viram nada ilegal nas conversas.
Moro deixou a magistratura em 2018 para virar ministro da Justiça no governo Jair Bolsonaro e hoje é senador pela União Brasil-PR. Deltan pediu exoneração em 2021, se elegeu deputado federal pelo Paraná, mas foi cassado pela Justiça Eleitoral no ano passado em alegada violação à Lei da Ficha Limpa.
A chamada Vaza Jato e o que se desdobrou dela no âmbito do Judiciário —a Operação Spoofing— deram força às teses sobre atropelos da investigação e acabaram impulsionando a sequência de anulações de processos e de provas. As mensagens, por exemplo, foram lidas no julgamento no STF em 2021 que invalidou decisões de Moro contra Lula.
Porém, em tese, elas não podem ser usadas agora como peça de acusação, mas apenas para beneficiar as defesas de quem foi réu.
A Vaza Jato também revelou detalhes de outros episódios menores, mas rumorosos, como o do outdoor pago por um de seus integrantes, o procurador Diogo Castor de Mattos, quando a Lava Jato completava cinco anos, em março de 2019. A publicidade, exibida em uma avenida próxima ao aeroporto de Curitiba, era uma espécie de propaganda da própria operação.
O outdoor que Mattos admitiu depois ter providenciado às escondidas trazia a imagem de procuradores acompanhada dos dizeres: “Bem-vindo a República de Curitiba – terra da Operação Lava Jato – a investigação que mudou o país”.
Em 2021, o Conselho Nacional do Ministério Público entendeu que ele cometeu ato de improbidade, o que impõe pena de demissão.
O ex-procurador-geral Augusto Aras delegou a um membro do Ministério Público Federal a tarefa de entrar com uma ação civil pública de perda do cargo contra Castor de Mattos, o que ocorreu em 2022. Mas, em novembro de 2023, a Justiça Federal no Paraná rejeitou a demissão e manteve Castor de Mattos nos quadros da instituição.
Hoje fora da magistratura, Sergio Moro enfrentará em abril um julgamento no TRE (Tribunal Regional Eleitoral do Paraná) que poderá cassar seu mandato no Congresso.
Uma outra dor de cabeça do ex-juiz é a correição extraordinária aberta pela Corregedoria do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) em maio do ano passado para fazer uma espécie de varredura nos gabinetes da 13ª Vara Federal de Curitiba e da 8ª Turma do TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região), colegiado responsável pela análise dos recursos da Lava Jato na segunda instância.
Em setembro passado, um relatório parcial da inspeção apontou “gestão caótica” no controle de valores oriundos de acordos de colaboração firmados na Lava Jato. O trabalho ainda não foi concluído, mas o relatório parcial já gerou a instauração de uma reclamação disciplinar contra Moro, por ordem do corregedor nacional, Luis Felipe Salomão.
O corregedor vê indícios de violação dos deveres “de diligência do cargo” em decisões que autorizaram o repasse de mais de R$ 2 bilhões à Petrobras”, de 2015 a 2019.
Após a divulgação do relatório, Moro disse repudiar a afirmação de que tenha havido “gestão caótica” e afirmou que seguiu o padrão dos acordos homologados pelo Supremo.
O ex-procurador Deltan também criticou as afirmações do corregedor e chamou o caso de “exemplo de revisionismo”. Para ele, está em andamento “uma vingança que busca reescrever a história”.
Um outro caso pendente no CNJ envolvendo a Lava Jato mira o juiz federal Marcelo Bretas, que conduziu o braço do Rio de Janeiro da operação. Em 2023, ele foi afastado temporariamente do posto pelo CNJ, entre outros motivos por suposta atuação política na eleição de 2018, e o caso ainda não teve definição.
Os questionamentos contra a Lava Jato também incluem uma ofensiva de órgãos federais, acionados após decisão do ministro do STF Dias Toffoli que invalidou o uso de provas da Odebrecht, em setembro passado.
Naquela decisão, determinava uma investigação sobre os procedimentos adotados na elaboração do acordo. Na sequência, a AGU (Advocacia-Geral da União) criou uma força-tarefa para verificar se foram cometidas irregularidades na operação; o então ministro da Justiça, Flávio Dino, prometeu pedir à Polícia Federal para investigar o acordo da Odebrecht; e a Controladoria-Geral da União afirmou que já analisava a decisão do magistrado antes mesmo de ser notificada sobre a ordem judicial.
Delatores da Lava Jato têm usado os diversos questionamentos à operação em tentativas de rever os compromissos que foram firmados anos atrás.
A defesa de Alberto Youssef, um dos pivôs da Lava Jato, já sinalizou que pretende rever o acordo de colaboração do doleiro com base em detalhes de uma investigação sobre escutas ambientais encontradas na cela onde ficou preso, em 2014. Os advogados querem saber se isso afetou a “voluntariedade e espontaneidade” da delação dele.
Os passos da defesa de Youssef para conseguir a quebra do seu acordo são acompanhados de perto por advogados de outros réus. Isso porque a delação do doleiro é considerada uma espinha dorsal da Lava Jato e uma eventual quebra pode respingar em toda a investigação.