Nível de endividamento das empresas está próximo ao da crise de 2015

As companhias brasileiras continuam com dificuldades para cumprir com seus compromissos financeiros mesmo após os cortes na taxa básica de juros, a Selic, que aliviam o custo das dívidas das empresas.

Estudo recente do Cemec-Fipe (Centro de Estudos de Mercado de Capitais da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas) com dados de 2023 mostra que o endividamento das empresas fechou o ano em 35,9% do PIB (Produto Interno Bruto), nível próximo ao registrado durante a crise econômica de 2015, quando essa relação estava em 36,1%.

Paralelamente, os índices de inadimplência das companhias divulgados pelo Banco Central vêm crescendo aceleradamente desde meados de 2022, com uma pequena queda apenas em dezembro do ano passado, para 3,47%.

Embora esse índice esteja longe do observado entre os anos de 2015 e 2016 —quando a taxa de inadimplência girou em torno de 6%—, o nível atual é mais que o dobro do registrado três anos antes, no fim de 2020, quando atingiu 1,45%.

Entre as companhias de capital aberto na Bolsa, 15,5% não geram caixa suficiente para cobrir suas despesas financeiras. Isso representa 82 empresas das 450 que estão na Bolsa, tirando Vale, Petrobras e Eletrobras que, pelo tamanho, poderiam distorcer a análise.

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Cabe ressaltar que a situação dessas companhias abertas —das quais 75% são grandes empresas, ou seja, com faturamento anual superior a R$ 300 milhões— está longe de representar todo o cenário brasileiro, dando apenas algumas indicações.

“A gente brinca que quando uma empresa aberta tem resfriado, o restante já tem pneumonia”, diz Carlos Antonio Rocca, coordenador do estudo do Cemec-Fipe.

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Como consequência dessa conjuntura, os números de recuperação judicial também têm disparado no Brasil. Segundo o levantamento, que utilizou dados de empresas de todos os portes reunidos pelo Serasa, os pedidos de RJ cresceram 80,7% no último trimestre do ano passado na comparação com o mesmo período de 2022.

Luciano Lindemann, diretor executivo sênior na prática de reestruturações da FTI Consulting, afirma que o ano de 2024 começou aquecido na procura por reestruturação de dívidas pelas empresas, seja por meio de recuperação judicial, recuperação extrajudicial ou acordos com credores.

Lindemann diz notar que o volume de reestruturações feitos pela FTI neste início de ano já ultrapassa o montante do observado no começo de 2023, mesmo com a queda da taxa Selic. Ele acredita que esse cenário de nível elevado ainda no endividamento das companhias deve se manter ao longo de 2024 e até 2025, embora acredite que a situação melhore um pouco a partir do segundo semestre.

“O simples fato de reduzir os juros não faz mudar o endividamento das empresas, apenas diminui o serviço da dívida. E ainda assim é pouco significante a mudança. Os juros foram de 13,75% para 11,25%; isso tem pouco efeito para as companhias”, afirma.

Entre os setores com maior busca por reestruturação da dívida, segundo Lindemann, estão companhias do agronegócio, que passaram a sofrer com queda nos preços das commodities e resultados piores na safra. Como houve muita emissão de dívida por essas empresas em 2023, ano forte para o setor, agora as companhias estão com dificuldade para honrar seus compromissos.

Angelo Guerra Netto, sócio fundador da EXM Partners, também relata um forte aumento no volume de procura da consultoria por parte de empresas endividadas neste início de ano.

“Está muito alta a procura. E a recuperação judicial é o meio mais buscado pelas empresas. Se o ritmo se mantiver como o observado neste início de ano, é possível que alcancemos os níveis de pedidos de recuperação judicial vistos na crise de 2015”, afirma.

O especialista também nota forte elevação na procura por reestruturação de dívida por parte de empresas do agronegócio. Além disso, ele cita o setor varejista entre os que estão com maior dificuldade de cumprir com seus compromissos.

“Parece óbvio. Mas o varejo ainda está gerando muita preocupação. Além do nível de endividamento dessas companhias, que está muito alto, há bastante incerteza com relação aos números reportados, se estão corretos mesmo, depois do caso da Americanas.”

Carlos Antonio Rocca, do Cemec-Fipe, diz que esse cenário é consequência do aumento da tomada de crédito pelas empresas entre 2020 e 2021, em um período de juros muito baixos e crescimento da receita, o que fez com que as companhias aumentassem os investimentos em um movimento de expansão.

Mas, depois, essas companhias foram pegas de surpresa com uma alta abrupta da Selic, bem em um momento de queda nos preços de commodities, o que afetou o lucro bruto das empresas. Essa situação, somada à redução na taxa de desemprego e crescimento da massa salarial, pressionou as margens das empresas.

Para piorar a situação, houve uma redução forte na tomada de crédito em 2022, devido aos juros altos, algo que foi agravado ainda mais com a crise da Americanas (deflagrada em janeiro de 2023), que causou uma turbulência momentânea na oferta de crédito. Isso levou a uma queda nas captações e prejudicou ainda mais as empresas, que passaram a ter dificuldade até mesmo para rolar dívidas.

Mas Rocca ressalta que essa questão da captação de dívida já está superada. “O mercado de capital serviu para moderar a queda do crédito bancário”, diz. “Definitivamente esse problema do crédito ficou para trás”, completa.

Esse fator positivo se soma à redução dos custos de financiamento, conforme continuam os cortes da Selic. Segundo o especialista, o cenário traz uma perspectiva de melhora do endividamento das empresas nos próximos meses.

Além disso, apesar de ainda em nível elevado, a taxa de companhias que não estão conseguindo gerar caixa suficiente para cobrir suas despesas financeiras recuou nos últimos trimestres.

“A análise da evolução do índice de cobertura das despesas financeiras das empresas abertas até o terceiro trimestre de 2023 reforça essa hipótese. São identificados sinais de recuperação da geração de caixa e redução da taxa de crescimento das despesas financeiras, movimentos que deverão ser reforçados nos próximos meses”, diz o estudo.

“Já se observa o movimento de reversão da deflação observada há vários meses dos preços de venda da maioria dos setores, com impactos favoráveis sobre receita e vendas e margens de geração de caixa das empresas”.

Rocca ressalta, contudo, que o nível de pedidos de recuperação judicial ainda deve se manter em elevação ainda nos próximos meses, mesmo com a queda da inadimplência.

Acontece que os pedidos de RJ são o último recurso a que as empresas recorrem quando não conseguem pagar suas dívidas. Elas são, portanto, reflexo de dados retroativos e estão sempre defasados, em cerca de três a quatro meses, com relação às taxas de inadimplência.

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