Na véspera dos 50 anos da Revolução dos Cravos, na quarta-feira (24/4), o presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, reconheceu, pela primeira vez, a responsabilidade do país pela escravidão e pelas violações praticadas durante a colonização. As declarações do presidente português repercutiram no Brasil. As ministras Anielle Franco e Sonia Guajajara, dos Ministérios da Igualdade Racial e dos Povos Indígenas, reconheceram a importância da fala de Marcelo Rebelo e afirmaram, em nota conjunta, que reparação é “premissa para a cidadania”.
“O reconhecimento da responsabilidade e a disposição para promover reparação e ‘pagar pelos danos’ trazem ao debate público internacional, de forma inédita, a relevância inadiável de avançar numa agenda por igualdade étnico-racial como premissa para a cidadania, como resgate, preservação e a valorização da história, dos saberes e da cultura afro-indígena-brasileira, incluindo seus aspectos espirituais, ancestrais, comunitários, socioculturais, ambientais, econômicos e políticos”, diz a nota.
Em entrevista ao Correio, a secretária executiva do Ministério da Igualdade Racial, Roberta Eugênio, pontuou que reparar a escravidão e colonização envolve um processo de reconhecimento e memória. “A reparação precisa lidar com o passado, com o reconhecimento das verdades sobre a escravização de pessoas que vieram em condições degradantes do continente africano para o Brasil, e assim entender que essa memória se produz sobre o passado, mas também quais são os danos decorrentes de todo esse processo”, ressalta Roberta.
Como exemplos de caminhos para a reparação histórica, a secretária cita as ações de preservação do Cais do Valongo, no Rio de Janeiro, que foi o principal porto de entrada de africanos escravizados no Brasil e nas Américas. Além disso, Roberta frisa a importância de projetos voltados à história e sobre as contribuições culturais dos povos negro e indígenas, a exemplo das leis 10.639/2003, que tornou obrigatório o ensino sobre história e cultura afro-brasileira nas escolas, e a 11.645/2008, que versa sobre a obrigatoriedade do estudo da história e cultura indígena e afro-brasileira nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio.
De acordo com Roberta Eugênio, o Ministério da Igualdade Racial está avaliando a necessidade de estruturação de uma instância para refletir sobre as medidas necessárias para avançar nessa agenda e destacou a importância de acompanhar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) proposta pelo senador Paulo Paim (PT-RS) para a criação do Fundo de Promoção da Igualdade Racial, que visa a igualdade de oportunidades e a inclusão social da população negra.
A secretária executiva do Ministério da Igualdade Racial também citou o Grupo de Trabalho coordenado pela pasta no âmbito do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável e que envolve o Banco do Brasil e o Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania. O intuito do grupo é promover diálogo com os movimentos sociais, instituições acadêmicas e empresas públicas e privadas para propor soluções que promovam a igualdade racial.
“É preciso mais. Sem dúvida, a partir de um declaração como essa do presidente do Portugal, nós esperamos que outras medidas referentes a ações de memória e cultura sejam desenvolvidas. Mas nós estamos em fase de reflexão e desenvolvimento de parâmetros para essas respostas, elas são muito setoriais, envolvem muitos atores. Acredito que já temos bons exemplos em curso no governo federal”, avalia Roberta.
O Brasil foi a região nas Américas que mais recebeu africanos escravizados, com cerca de 40% das pessoas que atravessaram o Atlântico forçadamente. O país também foi o último a abolir o sistema escravista no mundo, pois a escravidão deixou de ser permitida juridicamente no país somente no ano de 1888.
Em 18 de abril deste ano, em Genebra, durante o Fórum Permanente sobre Pessoas Afrodescendentes, o governo brasileiro reiterou o compromisso do país com a promoção da memória e a reparação da dívida que o Brasil tem com a população negra após o período escravocrata.
Para a coordenadora-geral de Memória e Verdade da Escravidão e do Tráfico Transatlântico de Pessoas Escravizadas, Fernanda Thomaz é necessário combater políticas de esquecimento. “Nossas ações partem do entendimento de que, para reparar, temos o desafio de sensibilizar e responsabilizar a sociedade sobre a real formação do Brasil como nação, atravessada pelo processo de exploração da escravidão e pela naturalização do racismo que sustenta ainda profundas desigualdades”, destacou.
Gostou da matéria? Escolha como acompanhar as principais notícias do Correio:
Receba notícias no WhatsApp
Receba notícias no Telegram