Escape pós-cirúrgico, inovação que salva

Por JÚLIA MANO*

Em torno de 5% a 25% de pessoas submetidas a uma cirurgia gastrointestinal, sofrem com a ruptura da região operada. Caso o vazamento seja detectado tardiamente, o paciente pode apresentar uma sepse – quando há uma infecção generalizada. A investigação do rompimento ainda é um desafio. Atualmente, o indivíduo pode ser submetido a uma tomografia computadorizada, a uma ressonância magnética ou a uma biopsia. Por isso, um grupo de cientistas das universidades Northwestern e Washington, dos Estados Unidos, decidiram desenvolver um biossensor capaz de detectar o escape em curto tempo e por meio de aparelho ultrassom.

O médico e líder do estudo, Jiaqi Liu, explica, em comunicado, que o vazamento cirúrgico não é detectável por meio de ultrassom e pode até não ser identificado em tomografias e em ressonâncias. “Essa foi uma necessidade que nos foi trazida pela comunidade clínica e confrontada com desafios em intervenções adequadas e precoces para pacientes com escapes gastrointestinais depois de cirurgias”, diz John Rogers, um dos autores da pesquisa.

O biossensor passou, até o momento, por testes em animais. Os cientistas inseriram o dispositivo em ratos e porcos. Com os resultados obtidos nessa fase de investigação, os pesquisadores chegaram a conclusão que o aparelho consegue detectar o vazamento na região operada com duas horas de monitoramento.

O estudo durou cerca de três anos, segundo Rogers, para alcançar os resultados publicados, recentemente, na revista Science. Durante o período, os cientistas conseguiram desenvolver diferentes tamanhos do biossensor a base de hidrogel. O dispositivo possui dois discos, em um deles, há metais, como magnésio, ferro e zinco – presentes no organismo humano. Portanto, não apresentou toxicidade durante os testes.

O professor de engenharia biomédica do Ensino Einstein, Roger Borges, afirma que o hidrogel é um material “intermediário entre o sólido e o líquido”. “O polímero que eles utilizaram que dá o caráter de sólido, mas é um polímero que possui uma construção de água grande”, explica. Outros objetos à base do insumo são algumas máscaras faciais de ácido hialurônico e fraldas descartáveis, o gel de cabelo e o aquagel de plantio.

Ruptura de sutura

O cirurgião geral do Hospital DF Star, da Rede D’Or, Diego Bugardt, explica que os órgãos de difícil cicatrização são os mais propensos a apresentar o rompimento depois da operação. Um deles é o pâncreas. “Quando fazemos a emenda do pâncreas, que pode ser com o estômago ou com o intestino, esse [escape] se dá em torno de 10% a 20%. Quando fazemos a secção da parte distal, um a cada quatro pacientes tem o vazamento”, diz o médico.

Sobre os sintomas iniciais, a professora do Departamento de Cirurgia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Mirna Bastos Marques, diz que o paciente, normalmente, apresenta os sintomas um ou dois dias depois da operação. Segundo Marques, a pessoa pode sentir uma dor no abdômen – chamada de irritação peritoneal. Bugardt relata que o indivíduo pode ter também taquicardia e queda da pressão. Os especialistas explicam que, se o escape fica retido sem nenhuma intervenção, há possibilidade de gerar uma infecção generalizada.

O chefe do Centro Cirúrgico do Hospital Sírio-Libanês em Brasília, Lúcio Lucas Pereira, avalia que os testes do biossensor começaram no intestino, no estômago e no pâncreas devido à consequência do vazamento depois de cirurgias gastrointestinais. O médico afirma que o rompimento de suturas em órgãos do abdômen obriga, geralmente, o paciente a passar por uma reoperação.

Para Pereira, o destaque do biossensor é a ajuda na detecção de alterações do tecido suturado antes da abertura dos pontos. O médico explica que, com o rompimento, todo o conteúdo intestinal vaza para dentro da barriga e inflama o abdômen. “O ganho com o dispositivo é que consegue verificar que o local não abriu, mas que tudo indica que vai abrir. Se precisar reoperar ou adotar alguma outra atitude, não tem que se preocupar com mais nada a não ser com a cicatrização do local”, conta.

O biossensor é inserido no paciente próximo ao local reparado e durante a cirurgia. O dispositivo possui dois discos. Por ser de hidrogel, não há necessidade de extração, porque o aparelho é dissolvido depois de 15 dias de inserido e os metais dos discos são absorvidos pelo organismo. Segundo os cientistas, todo o material desaparece em até 29 dias.

Quando há vazamento, o local tem alteração de seu pH. Por exemplo, o pâncreas tem uma característica mais alcalina e, com o escape, o local fica mais ácido. É a partir dessa mudança que o biossensor reagirá e aumentará de tamanho. A alteração do tamanho do dispositivo é captado pelo ultrassom. Os cientistas explicaram, na publicação, que, “durante a ultrassonografia, as ondas acústicas do [aparelho de ultrassom] penetram nos tecidos e refletem os discos [do biossensor]”.

Rogers afirma que a equipe optou por “melhorar os métodos de [detecção] de imagens atuais” em vez de desenvolver um novo sistema, porque eles conseguiriam “ver as características [do vazamento] que são invisíveis” com a tecnologia atual. Outro fator considerado pelo grupo são as vantagens que o ultrassom apresenta. Para os cientistas, a técnica é mais barata, está “prontamente” disponível, não requer equipamentos pesados e não expõe pacientes à radiação ou a outros riscos.

Bugardt explica que fazer mais de duas tomografias por ano em uma única pessoa aumenta o risco de desenvolver câncer por exposição à radiação. No entanto, o médico relata que há alguns pacientes que, no pós-operatório, necessitam fazer até perto de 10 vezes esse tipo de exame de imagem para detectar vazamento. Outro problema, é o contraste usado que pode fazer mal. Para o especialista, a vantagem do biossensor é a avaliação do indivíduo por ultrassom. O método não emite radiação nem necessita de uso do contraste, além de ser de mais fácil execução.

“A maioria das operações no abdômen – quando tem que remover algo e costurar – apresenta risco de vazamento. Não podemos prevenir totalmente as complicações, mas talvez possamos detectar mais cedo e minimizar os danos. Essa nova tecnologia tem potencial para mudar completamente o monitoramento de pacientes depois de cirurgias”, diz o médico Chet Hammil, um dos autores do estudo, em comunicado.

Na sua opinião, por que os pesquisadores podem ter escolhido o hidrogel e não outro material para fazer esse biossensor?

Eles precisavam de um material que conseguisse alterar a sua forma geométrica em função do sinal bioquímico que, nesse caso, era a alteração do pH causado pela liberação de fluídos quando há o rompimento de uma sutura de uma cirurgia. São poucos os materiais chamados de materiais inteligentes. Ou seja, materiais que são sensíveis a fatores externos e que têm a sua forma alterada em função, por exemplo, do pH.

Qual o cenário brasileiro de produção de hidrogel?

Existem alguns curativos de queimadura à base de hidrogenato produzidos no Brasil, que são considerados hidrogéis. Os biomateriais mais utilizados — sobretudo pelo Sistema Único de Saúde (SUS) — pra tratar algumas doenças de relevância também são produzidos no país. Em relação a hidrogéis inteligentes, ao nível de produção industrial, acredito que nós não temos ainda fabricação e comercialização por empresas brasileiras. Por outro lado, há um número considerável de grupos de pesquisa para o desenvolvimento da tecnologia, o meu (grupo de pesquisa) é um e existem vários em São Paulo. Na aplicação de biossensores, grande parte deles,é em liberação controlada de fármaco. Existe muita pesquisa. A parte de comercialização é que não temos ainda, mas é uma questão de tempo. Até porque, quando se desenvolve o biomaterial, até validá-lo e conseguir inseri-lo na prateleira para o usuário final é um tempo longo. Considerando que ainda estamos no âmbito da pesquisa, vai demorar algum tempo para esses biomateriais chegarem até os pacientes.

Qual a vantagem em se usar um biossensor na medicina?

O diagnóstico rápido de alguma doença. Nem todo diagnóstico é rápido ou detectável de uma forma rápida. Às vezes, depende do paciente apresentar algum sintoma que nem sempre é primário. Ao ter um biossensor, consegue-se antecipar este diagnóstico e intervir clinicamente de uma forma mais efetiva. Outro ponto é que a produção dos biossensores é de baixo custo. Portanto, é possível alinhar uma detecção mais rápida de alguma doença com um ou menor custo. Ao unir esses dois fatores, diagnostica-se uma população maior com o menor custo, seja no ecossistema de saúde pública – o caso do Brasil –, seja em um sistema de saúde universal ou para países como Estados Unidos que não têm um sistema público e é um sistema privado. Também é de interesse do sistema privado reduzir o custo de tratamento do paciente. Acho que essa é a grande vantagem dos biossensores relacionado à medicina: fazer diagnósticos mais rápidos. E, até mais precisos.

Os sensores são equipamentos que detectam um sinal e transformam em outro. Um exemplo é o sensor de fumaça que capta a concentração de CO2 e emite um sinal elétrico para ativar um alarme. Um biossensor vai converter um sinal biológico em algo possível de ser mensurado. Um exemplo desse tipo de dispositivo é o autoteste de covid-19.

*Estagiária sob a supervisão de Renata Giraldi

Na sua opinião, por que os pesquisadores podem ter escolhido o hidrogel e não outro material para fazer esse biossensor?

Eles precisavam de um material que conseguisse alterar a sua forma geométrica em função do sinal bioquímico que, nesse caso, era a alteração do pH causado pela liberação de fluídos quando há o rompimento de uma sutura de uma cirurgia. São poucos os materiais chamados de materiais inteligentes. Ou seja, materiais que são sensíveis a fatores externos e que têm a sua forma alterada em função, por exemplo, do pH.

Qual o cenário brasileiro de produção de hidrogel?

Existem alguns curativos de queimadura à base de hidrogenato produzidos no Brasil, que são considerados hidrogéis. Os biomateriais mais utilizados — sobretudo pelo Sistema Único de Saúde (SUS) — pra tratar algumas doenças de relevância também são produzidos no país. Em relação a hidrogéis inteligentes, ao nível de produção industrial, acredito que nós não temos ainda fabricação e comercialização por empresas brasileiras. Por outro lado, há um número considerável de grupos de pesquisa para o desenvolvimento da tecnologia, o meu (grupo de pesquisa) é um e existem vários em São Paulo. Na aplicação de biossensores, grande parte deles,é em liberação controlada de fármaco. Existe muita pesquisa. A parte de comercialização é que não temos ainda, mas é uma questão de tempo. Até porque, quando se desenvolve o biomaterial, até validá-lo e conseguir inseri-lo na prateleira para o usuário final é um tempo longo. Considerando que ainda estamos no âmbito da pesquisa, vai demorar algum tempo para esses biomateriais chegarem até os pacientes.

Qual a vantagem em se usar um biossensor na medicina?

O diagnóstico rápido de alguma doença. Nem todo diagnóstico é rápido ou detectável de uma forma rápida. Às vezes, depende do paciente apresentar algum sintoma que nem sempre é primário. Ao ter um biossensor, consegue-se antecipar este diagnóstico e intervir clinicamente de uma forma mais efetiva. Outro ponto é que a produção dos biossensores é de baixo custo. Portanto, é possível alinhar uma detecção mais rápida de alguma doença com um ou menor custo. Ao unir esses dois fatores, diagnostica-se uma população maior com o menor custo, seja no ecossistema de saúde pública – o caso do Brasil –, seja em um sistema de saúde universal ou para países como Estados Unidos que não têm um sistema público e é um sistema privado. Também é de interesse do sistema privado reduzir o custo de tratamento do paciente. Acho que essa é a grande vantagem dos biossensores relacionado à medicina: fazer diagnósticos mais rápidos. E, até mais precisos.

Os sensores são equipamentos que detectam um sinal e transformam em outro. Um exemplo é o sensor de fumaça que capta a concentração de CO2 e emite um sinal elétrico para ativar um alarme. Um biossensor vai converter um sinal biológico em algo possível de ser mensurado. Um exemplo desse tipo de dispositivo é o autoteste de covid-19.

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