Interferência do governo em estatais ‘é fatal para os investimentos’, diz Lazzarini, do Insper

A interferência do governo em estatais ou companhias abertas provoca incertezas entre os agentes econômicos, o que “é fatal para os investimentos”, disse Sérgio Lazzarini, professor do Insper, que estuda as relações dos governos com o setor privado. As intenções do governo de interferir na gestão da Petrobras afetaram o desempenho da companhia na Bolsa.

Quais os riscos para a economia da interferência do governo sobre estatais e empresas abertas?

O acúmulo de interferências com fins políticos ou populistas, como já vimos no passado, vai criando um crescente cenário de incerteza. Qual será a próxima estatal, empresa ou setor que será alvo dessas intervenções? E incerteza é fatal para os investimentos, o planejamento e a produtividade das empresas.

Não é normal que o governo dite os rumos das estatais?

Tenho visto no debate público o argumento de que, por exemplo, a Petrobras é controlada pelo governo e, logo, o governo tem o total direito de exercer seu papel de controlador. E que o dito “mercado” quer apenas impor o que é melhor para ele. Tudo isso é uma leitura incorreta da situação.

As estatais, mesmo aquelas com controle majoritário estatal, são do estado, não do governo em exercício. Elas deveriam seguir o que é estabelecido na lei que norteou sua criação, no que é definido pelos seus estatutos, no que é disciplinado pelas leis corporativas cabíveis e no que é preconizado pelos órgãos de controle e regulação.

A estatal pode e deve seguir objetivos públicos e sociais, desde que ancorados em todo esse arcabouço institucional. As melhores estatais no mundo fazem isso, inclusive aquelas de capital misto e negociadas em bolsa. Se os objetivos são claros e institucionalmente ancorados, investidores privados percebem um cenário menos incerto para investir na estatal e no seu setor. E segue o jogo.

Que outros problemas surgem quando o governo em exercício interfere numa estatal?

Os governos em exercício preferem mandar diretamente nas empresas para contentar sua base política e a visão dos seus apoiadores. Não percebem, contudo, que eles próprios se prejudicam com isso. O governo atual e seus apoiadores defendem as atuais intervenções, mas certamente não irão gostar quando um novo governo com outra orientação ideológica assumir e intervir. Por exemplo, Bolsonaro vetou uma propaganda do Banco do Brasil que enfatizava e valorizava a diversidade na base de clientes. Esse tipo de intervenção personalista é evitado quando as estatais seguem objetivos de estado, com certa autonomia dos seus órgãos de gestão e governança.

Esse tipo de interferência ocorre em outros países. Há algo de particular no Brasil?

Esse tipo de ação está se disseminando no mundo. Os políticos em geral descobriram que falar mal das grandes empresas e dos mercados pode render atenção e votos. E é generalizado no espectro político. (O ex-presidente americano e pré-candidato Donald) Trump também vive elegendo inimigos corporativos não só no exterior quanto nos EUA. Só que, em países com instituições mais fortes, há menos canais de intervenção e mais anteparos.

No Brasil, alguns remédios, ainda que imperfeitos, foram criados. A Lei das Estatais tentou criar mecanismos mais técnicos para indicação de gestores e foi acompanhada por ações de monitoramento das estatais. Só que, pouco a pouco, esses avanços vêm sendo corroídos (o governo questiona no STF parte da lei, aprovada no governo Temer).

Nos EUA, é comum o modelo de corporação de capital pulverizado, o que transfere a interferência do dono para “o mercado”. Vale e Eletrobras se tornaram corporações. Pode dar certo por aqui?

A princípio, o modelo pulverizado pode coexistir com o modelo de controle definido, mais comum no Brasil. Temos aqui um bom marco legal (a Lei das Sociedades Anônimas), a CVM (Comissão de Valores Mobiliários, o órgão regulador do mercado), associações de defesa de boas práticas de governança, como a Amec (Associação de Investidores no Mercado de Capitais, que representa fundos de investimento que, geralmente, têm participação minoritária nas empresas) e o IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa), e um grupo de professionais sérios e capacitados atuando como membros de conselhos.

O principal problema acaba sendo quando o governo, como um ator poderoso e de grande influência, decide fazer o que quer nessas empresas. Mesmo não havendo um controle definido, os acionistas podem querer se alinhar com o governo para colher benefícios ou evitar futuras retaliações. Novamente, isso cria incerteza e dificulta a atração de capital e os investimentos. Se o governo quiser avançar com algum tipo de política, que o faça pelas vias institucionais.

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